A percepção política do brasileiro é influenciada pelas redes sociais?
Giovana Gonçalves Pereira*
Kelly C. M. Camargo**
Kelly C. M. Camargo**
Nos últimos anos as redes sociais como o Facebook, Instagram, WhatsApp
tornaram-se palcos de discussões acaloradas sobre os desdobramentos da política
nacional e internacional. De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia1, realizada em 2016, cuja proposta era
estudar os hábitos de consumo de mídia pela população brasileira, no país ainda
que a televisão permaneça como principal fonte de informação da população (63%
dos brasileiros informam-se exclusivamente pela tevê), a internet já se
apresenta como meio preferido de 26% dos entrevistados.
Colaboram para este cenário o fato de que o Brasil possuía, em 2016,
cerca de 116 milhões
de pessoas conectadas à internet, o que equivale a 64,7% da população com idade
acima de 10 anos (IBGE, PNAD Contínua 2018). Em 2012, 33% dos consumidores possuíam um
smartphone, sendo que este percentual passou para 70% em 2016 (Google Consumer
Barometer, 20172). Podemos, assim, perceber uma correlação entre a
expansão do uso do smartphone e o aumento do acesso à Internet.
Fonte: http://portal.uniplaces.com/pt-pt/qual-internet-barata/
Além disso, uma pesquisa realizada
pela empresa Opinion Box3, mostrou que 94%
dos internautas possuem conta no Facebook. Sendo que os assuntos mais
populares nas redes sociais dos brasileiros analisados foram notícias em geral
(58%) e humor (53%). Para parte dos entrevistados (38%), o mundo teria
melhorado com as redes sociais – o maior percentual está entre aqueles que tem
50 anos ou mais, pois 27% dos internautas até 50 anos acham que o mundo é
melhor ou muito melhor agora.
Mas nem tudo são
flores, há muita discordância entre as visões de mundo dos internautas, tanto
que 77% dos entrevistados já declararam que deixaram de seguir alguém nas redes
sociais porque não concordavam ou não gostavam dos conteúdos que a pessoa
posta. Os jovens se apresentam como o grupo que costuma fazer isso com mais
frequência: 81% das pessoas até 29 anos já fizeram isso pelo menos uma
vez. Além disso, 37% dos internautas já tiveram uma discussão acalorada
nas redes sociais (Opinion Box, 2017).
Em contrapartida,
percebemos cotidianamente que livros e artigos científicos permanecem fora da
cultura do brasileiro como meio de se informar, mesmo com a facilidade de
obtenção desses conteúdos através de uma rápida pesquisa no Google. Tendemos,
portanto, a anular qualquer vínculo entre o conhecimento bruto gerado pelos
pesquisadores nacionais e internacionais e a sociedade.
Esse quadro pode
ser explicado por dois fatores chave, um de caráter individual e outro
coletivo. É inegável que nem todos os pesquisadores e cientistas pressupõem que
seu conhecimento deve ser pensado como domínio público. Soma-se a isso, o fato
de que muito do conteúdo produzido não se aproxima da linguagem popular e
coloquial, e, portanto, não se apresenta como conhecimento facilmente
articulável ao dia a dia da população. Essa questão individual, porém, se
articula fortemente no coletivo.
Afinal, sabemos
que uma expressiva parcela da população não teve, ao longo de sua vida, acesso
ao ensino de qualidade ou à educação. Entendemos aqui a educação como pilar
chave de transformação das pessoas em cidadãos, suposição que leva em conta a
centralidade das disciplinas de ciências humanas e sociais na composição do
currículo escolar. Contudo, as recentes reformas do Ensino Médio e o
sucateamento da educação pública tendem cada vez mais formar “braços aptos ao
trabalho” e não cidadãos pensantes (estão até mesmo tentando transformar o
Ensino Médio presencial em ensino à distância4). Braços aptos ao
trabalho são facilmente domesticáveis, altamente descartáveis. Indo de encontro
às disciplinas que buscam levar o aluno a desenvolver uma percepção crítica da
realidade, porque pessoas que pensam, questionam, exigem e impõe-se como
coletividades.
Fonte:http://plataforma9.com/congressos/viii-seminario-nacional-sociologia-politica-direitos-humanos-e-democracia.htm
Soma-se à isso o
processo de instrumentalização da informação que tenta fazer com que esta não
se consolide como conhecimento, ou seja, a ausência de qualquer tipo de dúvida
e busca por respostas prontas e “de ordem”, colabora para a despersonificação
dos seres humanos. A ausência de discussão e debate sadios, o não cultivo da
dúvida e a proliferação de certezas cada vez mais colaboram para que
visualizemos uns aos outros como inimigos. de modo que não basta o julgamento
do outro por suas ações, desejamos a morte, a tortura, o sofrimento.
Descredenciamos o Estado e desejamos fazer a justiça com nossas próprias mãos.
Braços aptos ao
trabalho, não pensantes e crentes de que quem lhes questiona são seus inimigos,
tornam-se facilmente massa de manobra disposta não só a acreditar nas Notícias
Falsas ou “Fake News”, como também a comprar toda e qualquer percepção política
disseminada nas redes sociais e pelos meios de comunicação, que não são
imparciais. Pelo contrário, desde sua existência a mídia tem trabalhado para
facilitar impactantes acontecimentos sociopolíticos, vide a Rede Globo que
apoiou o Golpe Militar instituído em 19645. Mídia esta que está
sendo gerenciada por pessoas que respondem a interesses extremamente próprios e
vinculados a sua classe social. Que não é, nem de longe, a classe da maior
parte da população brasileira.
Fonte: https://jornalggn.com.br/noticia/o-poder-alienante-das-redes-sociais
Destacamos aqui a pesquisa
“Os perigos da Percepção”6, realizada pelo Instituto Ipso Mori em
2017, que mostra que o Brasil é o segundo país com a menor percepção da própria
realidade. Talvez por esse motivo, ideias extremamente conservadoras e até
mesmo que incitam o ódio têm se alastrado como erva daninha nas nossas redes
sociais. Sendo que estas apresentam um agravante ainda maior, pois além dos
perfis falsos e trolls/haters que se proliferam, as pessoas ainda acreditam que
a distância física e a facilidade de um clic e pequenos movimentos no teclado
as isentam de responsabilidades. Ofender-se gratuitamente e não permitir
questionamentos tornou-se um verdadeiro dogma da sociedade moderna.
Por isso, permita-se,
questione-se, duvide.
___________________________
* Doutoranda em Demografia (IFCH/UNICAMP), Cientista Social (IFCH/UNICAMP) e Integrante do "Observatório das Migrações em São Paulo" (FAPESP/CNPq).
** Doutoranda em Demografia (IFCH/UNICAMP) e Cientista Social (IFCH/UNICAMP).
** Doutoranda em Demografia (IFCH/UNICAMP) e Cientista Social (IFCH/UNICAMP).
1 O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE realiza a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua – PNAD Contínua. A pesquisa destina-se a produzir informações
contínuas (mensais) sobre a inserção da população no mercado de trabalho
associada a características demográficas e de educação, e, também, para o estudo
do desenvolvimento socioeconômico do País. A pesquisa é realizada por meio de
uma amostra de domicílios, extraída de uma amostra mestra, de forma a garantir
a representatividade. A cada trimestre, são investigados 211.344 domicílios
particulares permanentes, em aproximadamente 16.000 setores censitários,
distribuídos em cerca de 3.500 municípios. Mais informações disponíveis na
página www.ibge.gov.br.
2 Consumer Barometer é uma ferramenta interativa
de insights sobre consumidor e onde qualquer usuário pode encontrar dezenas de
resultados de pesquisas. As questões são compras locais, internacionais,
segmentações de usuário, uso por dispositivo, etc. Disponível
em: https://www.consumerbarometer.com/en/
3 A pesquisa sobre redes sociais foi realizada
no painel de respondentes do Opinion Boxentre os dias 19 e 24 de abril. Foram entrevistados
1.772 homens e mulheres a partir de 16 anos de todos os estados do Brasil e do
Distrito Federal e de todas as classes sociais. A margem de erro da
pesquisa é de 2,3 pontos percentuais e o intervalo de confiança é de 95%.
Disponível em: https://blog.opinionbox.com/redes-sociais-pesquisa/
4 Senado
Notícias. Comissão de
educação debaterá ensino médio a distância. 2 de abril de 2018. Disponível
em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2018/04/comissao-de-educacao-debatera-ensino-medio-a-distancia
5 O Globo. Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro. 31 de
agosto de 2013. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/apoio-editorial-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-9771604
6 BUARQUE,
Daniel. Brasil é 2º
país com menos noção da própria realidade, aponta pesquisa. Folha de S. Paulo,
06 de dezembro de 2017. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/12/1941021-brasil-e-2-pais-com-menos-nocao-da-propria-realidade-aponta-pesquisa.shtml
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