Questão ambiental e cidades
Em palestra, o Professor Roberto do Carmo discutiu aspectos relacionados a sustentabilidade e urbanização no contexto da dinâmica social
O debate sobre as questões decorrentes das mudanças climáticas abarca elementos sobre a problemática ambiental, que se estende por décadas e mantém relações complexas com a dinâmica social. Esse contexto é marcado por um estilo de desenvolvimento caracterizado pela agressividade ambiental e social. A palestra indicada abaixo foi realizada há mais de dez anos, em 2014. O que mudou de lá prá cá? Alguns temas e discussões continuam os mesmos.
A análise dos processos sociais, demográficos, políticos e econômicos (considerando sobretudo o estilo de desenvolvimento) revela a importância de incorporar também dimensões culturais. Muitas decisões ambientais, embora socialmente mediadas, situam-se no âmbito das escolhas individuais, o que complexifica a abordagem de questões sociais.
Entre os desafios centrais, destacam-se as questões de escala, temporal e espacial. Esses processos possuem dinâmicas fundamentalmente locais, mas com interconexões que produzem impactos globais. Mesmo após décadas de discussões sobre a relação entre população e ambiente, nota-se dificuldade em fazer com que os atores percebam os efeitos globais de ações locais.
Somado a isso, a escala temporal representa o maior obstáculo para a compreensão e absorção das mudanças climáticas pela sociedade, especialmente no campo das decisões políticas.
A tomada de decisões no presente, com base em projeções que afetarão a sociedade daqui a 30, 40 ou 50 anos, torna-se particularmente complexa em contextos como o brasileiro, no qual as ações de desenvolvimento adotadas no passado têm impactos no presente. Incorporar projeções de longo prazo, como cenários climáticos para 2100, numa perspectiva social e política orientada para o curto prazo, constitui um desafio substantivo.
Além disso, é preciso levar em consideração a urbanização. Em escala global, observa-se, a partir da segunda metade da década de 1990, um movimento de concentração da população em áreas urbanas.
| (imagem gerada por inteligência artificial) |
No entanto, os dados indicam que o Brasil passou por esse processo anteriormente. Desde a década de 1960, mais de 50% da população já residia em na zona urbana. Em 1980, cerca de 70% da população vivia em áreas urbanas. O
Do ponto de vista demográfico, a população residente em áreas urbanas passou de 18 milhões em 1950 para 160 milhões em 2010, um acréscimo de 142 milhões de pessoas. Esse crescimento ocorreu em paralelo à transição demográfica brasileira, marcada pela queda da mortalidade a partir dos anos 1940 e da natalidade a partir dos anos 1960, resultando em crescimento acelerado nas décadas de 1960 e 1970. Atualmente, a taxa de fecundidade situa-se abaixo do nível de reposição, em torno de 1,6 por mulher, o Censo Demográfico de 2022 contou 177,5 milhões de pessoas á áreas definidas como urbanas, e 25,5 milhões de pessoas nas áreas rurais. Os dados atualizados pelo Censo de 2022 estão na Tabela 1.
Tabela 1. População total, urbana e rural e percentagem da população urbana, Brasil, 1950 a 2022
Ano |
População Urbana |
População Rural |
População Total |
% População Urbana |
1950 |
18.782.891 |
33.161.506 |
51.944.397 |
36,2 |
1960 |
32.004.817 |
38.987.526 |
70.992.343 |
45,1 |
1970 |
52.904.744 |
41.603.839 |
94.508.583 |
56,0 |
1980 |
82.013.375 |
39.137.198 |
121.150.573 |
67,7 |
1991 |
110.875.826 |
36.041.633 |
146.917.459 |
75,5 |
2000 |
137.755.550 |
31.835.143 |
169.590.693 |
81,2 |
2010 |
160.925.792 |
29.830.007 |
190.755.799 |
84,4 |
2022 |
177.508.417 |
25.572.339 |
203.080.756 |
87,4 |
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1950/2022. Até 1991, dados extraídos de Estatísticas do Século XX, Rio de Janeiro: IBGE, 2007 no Anuário Estatístico do Brasil, 1993, vol. 53, 1993.
No momento da palestra, as projeções do IBGE indicam que a população brasileira atingiria um máximo de 228 milhões por volta de 2042, iniciando posteriormente declínio gradual — estimando-se 218 milhões em 2060. Considerando a manutenção da taxa de urbanização em 85%, a população urbana alcançaria 194 milhões em 2042 (acréscimo de 52 milhões). Com urbanização de 90%, seriam 205 milhões (acréscimo de 63 milhões); e com 95%, 217 milhões (acréscimo de 75 milhões). Os dados do Censo de 2022 mostraram que a tendência da queda das taxas de crescimento da população está mais acentuada do que o previsto, indicando que a população brasileira deva começar a diminuir em termos de volume já durante a década de 2030.
Essas projeções suscitam questões críticas sobre o futuro das cidades brasileiras, como: a expansão continuará predominando nas regiões metropolitanas ou se deslocará para cidades médias e pequenas? Qual será o padrão espacial desse crescimento? Como evoluirá a relação entre urbano e rural? Historicamente, a expansão urbana caracterizou-se por padrões descontínuos, com manchas de ocupação desconectadas e carência de infraestrutura, mantendo espaços intermediários com características rurais.
As cidades brasileiras apresentam ocupação densa em algumas áreas e esparsa em outras, com significativa mistura socioeconômica. O que pode ser observado em São Paulo, um caso paradigmático no país. Esse padrão é largamente determinado pela dinâmica do mercado imobiliário, com limitada atuação estatal no ordenamento do território. Ademais, em diversos momentos pode-se observar certa sinergia entre a administração pública e os interesses do setor imobiliário.
Como consequência, populações de baixa renda tendem a ocupar áreas expostas a perigos ambientais. Destaca-se que, em contextos urbanos, os desastres não são naturais, mas socialmente construídos. A partir disso, surge a necessidade de incorporar a dimensão política, entendida como organização social para enfrentamento dos problemas.
Os avanços em infraestrutura são incontestáveis, tal como a ampliação do acesso à água e coleta de esgoto, mas persistem desafios ambientais graves. Por exemplo, em regiões desenvolvidas, menos de 60% do esgoto é tratado antes do lançamento em rios, o que causa impactos severos na qualidade da água.
A falta de política habitacional articulada entre entes federativos permanece como problema central, com construções populares frequentemente implementadas sem consideração adequada de riscos ambientais. Diante disso, cabe o questionamento da lógica de construção de novas habitações em áreas dispersas quando existem numerosos domicílios vagos em áreas consolidadas.
Comportamento que foi constatado em estudo sobre a cidade de São José dos Campos, localizada no interior paulista, onde o déficit habitacional era significativamente inferior ao número de imóveis ociosos.
Nessa estrutura urbana, questões fundamentais como transporte e infraestrutura são tratadas de forma setorial e fragmentada. Problemas de mobilidade, por exemplo, foram um dos fatores detonadores dos protestos de 2013.
Finalmente, ressalta-se que o padrão de consumo da sociedade contemporânea é determinado pelo estilo de vida urbano. O consumo de água, alimentos e outros recursos básicos mantém relação direta com questões ambientais, sendo largamente definido por dinâmicas urbanas.
Estudos sobre consumo de água mostram correlação positiva com renda, um aspecto particularmente relevante num contexto de ascensão econômica de amplas camadas da população. Equacionar o aumento do consumo decorrente da melhoria das condições de vida com a necessidade de uso sustentável dos recursos constitui um dos grandes desafios contemporâneos.
Aviso: foram utilizadas ferramentas de inteligência artificial para transcrição do texto e organização do material, com supervisão de Damner Augustus Rosa Sabino, revisão textual por Bianca Velloso e atualização dos dados por Roberto Luiz do Carmo. Para assistir a palestra na íntegra, clique aqui.
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