Quantas tragédias são necessárias para repensarmos nosso modelo de desenvolvimento?
Por Kelly C. M. Camargo*
As
alterações na composição da atmosfera global que advêm - de forma direta ou
indireta - da ação humana são conhecidas como Mudanças Climáticas1.
No entanto, muita gente ainda não acredita que exista, de fato, essa tal
Mudança Climática, e nem que o fenômeno tenha capacidade para causar danos
irreversíveis no Planeta Terra e, consequentemente, para a existência da raça
humana.
Fonte: http://sites.unicentro.br/wp/educacaoambiental/2017/09/27/vocabulario-sustentavel-aquecimento-global-efeito-estufa/
Mas
como não acreditar nas evidências de inúmeras pesquisas científicas que provam
o fenômeno? Pois pesquisadores do mundo todo vêm monitorando o preocupante
aumento da concentração média de dióxido de carbono na atmosfera e, com ele, o
agravamento do aquecimento global. Deste modo, os pesquisadores evidenciaram,
por exemplo, a elevação da temperatura na terra, o derretimento das calotas
polares, o extermínio dos corais nos oceanos e o desaparecimento de ilhas do
Pacífico.
Em
2016, Leonardo DiCaprio, como mensageiro da paz em assuntos referentes às
Mudanças Climáticas, dirige o documentário “Seremos História?”, que
traz dados atualizados sobre as mudanças climáticas [veja o trailer]. Outro documentário conhecido, mas mais antigo, de 2006, chama-se “Uma Verdade Inconveniente”
[veja o trailer].
Dentro dessa perspectiva, Clarke et al2 realizaram uma pesquisa que mostrou que a negação
do fenômeno tem uma forte relação com a preocupação de que o enfrentamento das
Mudanças Climáticas irá alterar o status
quo socioeconômico dos países. Ou seja, nossa possibilidade de frear o
aquecimento global depende do não enfrentamento de uma possível crise econômica.
Uma das
grandes questões que se apresenta nas reuniões das Organizações Nações Unidas
sobre o meio ambiente é a seguinte divisão entre países: de um lado estão os
países desenvolvidos, sobretudo, os países europeus nórdicos, que acreditam que
os países em desenvolvimento têm que fazer as mesmas concessões que eles estão fazendo
em prol do “desenvolvimento sustentável”3. Do outro lado, estão os
países em desenvolvimento, como os BRICS, que não acham justo terem de tomar
essas medidas, porque os países desenvolvidos utilizaram não só os próprios
recursos, como também os recursos de suas colônias, para chegarem no patamar que estão.
Nesse
âmbito, é possível remeter as notícias recentes vinculadas à mineradora norueguesa
Hydro. As notícias afirmam que a empresa possui um 'duto clandestino' para
lançar rejeitos em nascentes amazônicas. Na semana passada diversas comunidades
de Barcarena, no Pará, foram contaminadas com restos tóxicos de mineração
dos efluentes não tratados da empresa, como mostrou a BBC Brasil4
na sexta-feira, dia 23 de fevereiro.
O
mais controverso da situação é que o acionista majoritário e controlador da
multinacional é o próprio governo da Noruega -, tendo o país uma imagem
ambientalista no cenário internacional. Destaca-se que em junho do ano passado,
2016, o presidente Michel Temer se encontrou com os governantes noruegueses
para falar sobre Mudanças Climáticas. Na época, nosso governo considerava a
Noruega um dos principais parceiros na redução do desmatamento da Amazônia,
porque os noruegueses haviam doado US$ 1 bilhão para o Fundo da Amazônia. O que
é incongruente, uma vez que a BBC Brasil5 mostrou que a empresa
Hydro, em 28 de junho de 2017, devia R$ 17 milhões ao IBAMA em multas por
contaminação de rios da região em 2009.
Que
o governo brasileiro não parece preocupado com as questões ambientais não é
novidade. Um dos exemplos recentes é o descaso em condenar os culpados
pelo desastre ambiental causado pelo rompimento da barragem da Samarco em
Mariana (MG). No qual 35 milhões de metros cúbicos de lama matou 19 pessoas,
destruiu distritos na cidade de Mariana e poluiu com rejeitos de minério de
ferro o Vale do Rio Doce e o Oceano Atlântico. Inclusive, em 21 de fevereiro
foi lançada uma campanha para não esquecermos a impunidade do caso [veja ovídeo].
Ainda
como mostra a notícia da BBC Brasil, a grande preocupação atual é que Barcarena
não apresente as mesmas terríveis consequências de Mariana. Pois o Ministério
Público Federal e do estado do Pará enviaram à empresa um documento que
solicita que uma das bacias da empresa seja imediatamente embargada, já que,
segundo os órgãos, há risco de rompimento.
Como propõe Martine6, enquanto o conceito
de desenvolvimento se apoiar em uma cultura hedonista, que define o consumo
como sinônimo de felicidade, e uma atitude concreta não for colocada em prática
para frear as Mudanças Climáticas, dificilmente haverá alguma transformação
nesse cenário desalentador, e o futuro do Planeta e da raça humana continuará a
mercê da manutenção do status quo.
Fonte: https://www.istockphoto.com/pt/vetorial/equil%C3%ADbrio-entre-o-dinheiro-e-meio-ambiente-gm164324273-11507239
Fonte: https://www.istockphoto.com/pt/vetorial/equil%C3%ADbrio-entre-o-dinheiro-e-meio-ambiente-gm164324273-11507239
Envie seus comentários, críticas, sugestões e textos colaborativos para asdimensoeshumanas@gmail.com
_____________________________________
* Doutoranda em demografia e cientista social (IFCH/Unicamp).
1 CARLOS,
Nobre. Mudanças climáticas e o Brasil – Contextualização. Parcerias Estratégicas, Brasília: IPEA,
n. 27, dezembro de 2008. Disponível em: http://seer.cgee.org.br/index.php/parcerias_estrategicas/article/viewFile/326/320
2 CLARKE et al.
Perceived Mitigation Threat Mediates Effects of Right-Wing Ideology on Climate
Change Beliefs. School of Psychology,
Deakin University, v. 2, n. 1, p. 01-36, February,
2017. Disponível em: 10.17605/OSF.IO/F8AP7
3 CHAVES,
Maria P. S. R.; RODRIGUES, Débora C. B. Desenvolvimento Sustentável: limites e
perspectivas no debate contemporâneo. Interações, Revista Internacional de
desenvolvimento local, v. 8, n. 13, p. 99-106, Setembro de 2006. Disponível
em: http://www.interacoes.ucdb.br/article/view/469/514
4 SENRA, Ricardo. Mineradora norueguesa tinha 'duto
clandestino' para lançar rejeitos em nascentes amazônicas. BBC Brasil, 23
fevereiro 2018. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-43162472
5 SENRA, Ricardo. Noruega é maior acionista de
mineradora denunciada por contaminação na Amazônia. BBC Brasil, 28 de junho de
2017. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-40423002
6 MARTINE et al. Cultura do consumo e desenvolvimento econômico na era de mudanças climáticas. In. MARTINE, G., OJIMA, R., BARBIERI, A. F., CARMO, R. L. (Orgs.). População e sustentabilidade na era das mudanças ambientais globais: contribuições para uma agenda brasileira. Campinas: Abep, 2012.
6 MARTINE et al. Cultura do consumo e desenvolvimento econômico na era de mudanças climáticas. In. MARTINE, G., OJIMA, R., BARBIERI, A. F., CARMO, R. L. (Orgs.). População e sustentabilidade na era das mudanças ambientais globais: contribuições para uma agenda brasileira. Campinas: Abep, 2012.
Comentários
Postar um comentário