Os números do Censo 2022: erros e potencialidades
Na quinta-feira dia 22/08/2024 o IBGE divulgou uma análise da Pesquisa de Pós-Enumeração do Censo Demográfico de 2022.
Como qualquer outra pesquisa populacional, no Brasil e no mundo, o Censo está sujeito a imprecisões, que são decorrentes de erros de omissão (quando domicílios não são visitados) e erros de inclusão indevida, que ocorre por exemplo quando um entrevistador acaba entrando no setor que está sendo trabalhado por outro entrevistador, e o mesmo domicílio é contado duas vezes.
O Censo 2022, considerando o conjunto desses tipos de erro, teve um erro de cobertura estimado em 8,3% pela Pesquisa de Pós-Enumeração que acabou de ser divulgada. Esse erro foi diferenciado pelo tamanho da população dos municípios, sendo que os municípios com mais de 1 milhão de habitantes tiveram os maiores erros, como é o caso de Campinas. Enquanto nos municípios menores o erro foi menor.
É muito importante lembrar que o Censo de 2022 teve uma série de problemas: foi adiado por conta da pandemia, teve o seu orçamento reduzido em 1/3 do valor previsto para a realização, coincidiu com um dos processos eleitorais mais polarizados da história do país. Todos esses fatores impactaram a realização do censo, e contribuíram para o erro verificado.
A partir da constatação do erro, o IBGE construiu as projeções, que são os números divulgados hoje, já considerando a correção. As projeções são realizadas a partir de métodos demográficos levam em consideração os processos que incidem sobre a variação de uma população ao longo do tempo: natalidade, mortalidade e migração. A interação entre esses fatores, associados com a atualização dos valores do Censo 2022, foi o que levou a esse crescimento populacional de Campinas. É importante esclarecer que um crescimento anual de 4,1% em um ano é um crescimento populacional muito elevado, e que no caso específico desse ano de junho 2023 a junho 2024, decorre da avaliação que foi realizada a partir Pesquisa de Pós-Enumeração.
O censo é uma fotografia da população de um país, que permite descrever as principais características dessa população. Pegando as informações de censos sucessivos temos uma espécie de filme, no qual podemos identificar as mudanças que ocorreram na população ao longo do tempo. E essas mudanças podem ser muito expressivas: aumento do número de habitantes de um país ou de um município; mudanças na estrutura etária, como no caso brasileiro aumento significativo da população idosa que já está ocorrendo, e pode ser observado também no município de Campinas.
A caracterização da população viabilizada pelo censo é fundamental para a elaboração de políticas públicas eficazes, tendo em vista que o primeiro passo para qualquer política social é identificar com precisão a “população alvo” dessa política.
Em termos da administração pública, o censo é importante porque estabelece os parâmetros para a distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Esse fundo é distribuído entre os municípios de acordo com o volume de população. Quanto mais gente, mais recursos do FPM. As projeções anuais do IBGE são realizadas exatamente para atender a essa finalidade.
Outro aspecto importante é a distribuição da representação política, que pode variar nas câmaras municipais dependendo do número de habitantes do município, ou seja, o número de vereadores é estabelecido de acordo com o número de munícipes.
A informação censitária também pode ser utilizada pela sociedade como instrumento de luta política, uma vez que permite dar visibilidade a diferentes grupos sociais. No caso do Censo de 2022 houve uma novidade importante: a incorporação de uma questão sobre a existência de pessoa autista no domicílio entrevistado. Com essa pergunta vai ser possível tornar visível com grande precisão essa população de pessoas autistas. Essa informação certamente vai ser importante dar visibilidade para esse grupo, entender a sua distribuição dentro da sociedade e identificar as características principais desse grupo, como número de indivíduos, composição por idade e sexo, distribuição no espaço geográfico do país. É um passo importante para a realização de políticas públicas específicas para esse grupo.
Outro exemplo foi o resultado do censo de 2022 divulgado recentemente, relativo às crianças que não possuem registro de nascimento. Apenas através do censo é possível obter esse tipo de informação e dar visibilidade a esse grupo populacional que está fora dos registros, no caso, crianças com menos de 5 anos que não foram registradas. Sem o registro de nascimento é impossível frequentar escolas ou ser atendido no sistema de saúde. É importante notar que mesmo em Campinas, assim como nos demais municípios da Região Metropolitana, os dados do censo mostraram a existência de crianças sem registro.
Por fim, tendo em vista que informação é uma fonte de poder, a possibilidade de inserir questões que sejam relevantes para a população em determinados momentos históricos também é uma possibilidade a ser considerada. Ou seja, as demandas da sociedade podem incluir no questionário do censo informações que se considere relevantes. Foi o que aconteceu com a incorporação e aprimoramento, ao longo dos censos mais recentes, de perguntas específicas sobre populações indígenas e quilombolas. Ou seja, o censo também pode se constituir como uma dimensão importante das lutas políticas da sociedade.
O caso de Campinas, município do estado de São Paulo
O município de Campinas cresce atualmente principalmente por conta do crescimento vegetativo, ou seja, pela diferença entre nascimentos e óbitos. Certamente o município ainda recebe migrantes, mas não é o mesmo afluxo de imigrantes que havia nas décadas de 1970 e 1980, quando a população do município cresceu de maneira expressiva.
O crescimento populacional pode ser positivo, na medida em que seja capaz de gerar e sustentar o crescimento econômico. Uma população em crescimento significa que há, por exemplo, a possibilidade de reposição da mão de obra. O grande problema dos países europeus hoje é o decrescimento populacional, em decorrência da diminuição acentuada do número médio de filhos por mulher. As projeções do IBGE mostram que essa situação de diminuição da população vai começar a afetar o Brasil na década de 2040, com a diminuição do número de crianças e o aumento do número de idosos.
É importante sempre ter em mente que a população não pode ser pensada de maneira isolada. População é resultado de processos e dinâmicas sociais. O crescimento ou a diminuição da população precisam ser entendidos no contexto social e econômico. Em uma sociedade tão desigual como a brasileira, o impacto da diminuição da população em idade de trabalhar pode ser muito grande, considerando que vai ocorrer o aumento do número de idosos. Mas, todos esses processos precisam ser conhecidos e considerados nas políticas públicas nos vários níveis de gestão pública: município, estado e federal.
As projeções no nível nacional, realizadas pelo IBGE, mostraram que a diminuição do volume populacional no país vai começar a ocorrer no início da década de 2040. O Estado de São Paulo, e as regiões metropolitanas do estado de maneira especial, devem experimentar o processo de diminuição a partir da década de 2030. Isso porque o processo de transição demográfica que caracteriza a sociedade brasileira, com a diminuição do número de filhos por mulher, ocorreu primeiramente nas regiões mais desenvolvidas e urbanizadas do país. Essa diminuição do número de filhos mantida ao longo do tempo é que leva à diminuição do crescimento populacional.
Mas é importante lembrar que, principalmente no nível municipal, as projeções podem ser mudadas por fluxos de migrantes, que podem ser atraídos por investimentos na geração de empregos por exemplo. Isso pode significar uma redistribuição da população dentro do território brasileiro, com a concentração de população em áreas específicas.
A migração também pode fazer com que algumas regiões do país percam população. Isso ocorreu historicamente com vários estados do Nordeste. Essa redistribuição por conta da migração depende muito da dinâmica econômica. Da configuração de espaços atrativos para os migrantes.
Esse balanço entre nascimentos e mortes, que podem ser projetados por apresentarem tendências inerciais, com a chegada ou saída de migrantes, é que estabelece se o município ou país vai aumentar ou diminuir a sua população.
Ainda não temos os dados finalizados do Censo 2022 que permitam responder essas perguntas com exatidão. A partir da divulgação dos microdados do censo, prevista para os próximos meses, teremos condições de ter uma fotografia mais nítida de como mudamos como sociedade ao longo dos últimos 12 anos.
Os dados divulgados até o momento, principalmente com algumas características dos domicílios, indicam que talvez não tenhamos avançado muito na diminuição da desigualdade. As inferências que podemos fazer até o momento, vão no sentido do aumento da desigualdade. Mas temos que esperar os resultados do censo para afirmar com segurança.
Roberto Luiz do Carmo
Professor do Departamento de Demografia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Pesquisador do Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó”
Universidade Estadual de Campinas
Comentários
Postar um comentário