Assassinato de Jovens: uma epidemia social
Por Roberto L. do Carmo* e Kelly C. M. Camargo**
Uma das questões mais sensíveis da sociedade contemporânea corresponde à violência contra jovens e adolescentes. Pois embora os avanços da medicina e a ampliação da infraestrutura pública trouxeram ganhos consideráveis no aumento da expectativa de vida, e que esses ganhos sejam importantes para grande parte da população mundial, continuam existindo diferenças significativas entre países e entre determinados grupos populacionais. Nesse contexto, destaca-se a mortalidade causada pelo assassinato de jovens, que se mostra uma verdadeira epidemia social. Por isso, entre as recentes notícias de assassinatos nas escolas dos EUA e de intervenção militar no Rio de Janeiro, vale uma reflexão sobre as mortes violentas nesse estrato populacional.
No Brasil, o assassinato de jovens do sexo masculino, na
faixa de 15 a 29 anos de idade, correspondeu a 47,85% do total de óbitos
registrados entre 2005 e 2015, segundo mostra o Atlas da Violência
de 20171. O Atlas ainda revela que adolescentes
negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no
país. A partir desse panorama, destaca-se que a mortalidade é um dos
componentes da dinâmica demográfica, junto da natalidade (fecundidade) e das
migrações. Sendo que os diferenciais de mortalidade por sexo e por idade nos
ajudam a entender como a sociedade está organizada e quais as suas características,
conforme pode ser visto no trabalho de Sivério, Turra e Nascimento2.
Notícias associadas a esse contexto apareceram recentemente no
jornal Folha de S. Paulo, como a matéria na segunda-feira, dia 19 de fevereiro,
com o título “Guerra dos meninos é anomalia brasileira”3,
mostrando que a morte de meninos de 15 a 25 anos
modificou o que a nossa economia de renda média previa para o país, pois sem
essas pessoas no mercado de trabalho temos uma grande perda em termos socioeconômicos.
O jornalista Vinicius Mota ainda compara esses indicadores de violência com os
conflitos africanos entre exércitos de crianças.
Apesar de infelizmente termos
destaque internacional nesse índice, a preocupação com as mortes de crianças e
adolescentes não é exclusividade brasileira. No último domingo, dia 18 de
fevereiro, Clovis Rossi, publicou em sua coluna na Folha que o “EUA não são
país para crianças” 4. Na matéria, impulsionado pela mais
recente matança em escola americana, o jornalista discute que, além de serem
conhecidos por tragédias como essa, os EUA não foram bem-sucedidos
em reduzir a mortalidade infantil, e nem em reduzir mortes em acidentes com
veículos, as quais afetam especialmente adolescentes. Rossi também relaciona os
altos índices de mortes de jovens por causas externas com a obsessão americana
pelo porte de armas. Segundo ele, esse assunto deve entrar em pauta no Brasil,
sobretudo, em 2018, considerando que o pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro é adepto da
diminuição do controle de porte de armas.
Por
esse ângulo, ressaltamos a necessidade de atentar para a violência que assola
sobremaneira nossas grandes cidades, tendo como exemplo a não seguir o Rio de
Janeiro. Onde o presidente Michel Temer decidiu decretar intervenção na Segurança
Pública -, as Forças Armadas estão assumindo as atividades de segurança do
Estado. Para a socióloga Julita Lemgruber, do Centro de Estudos de Segurança e
Cidadania da Universidade Candido Mendes, a medida é uma espécie de "show pirotécnico"5.
Tendo em consideração que nos últimos anos, com atuações do Exército no Estado,
em vez de melhorar, a segurança pública piorou. Situações anteriores, como o do
Complexo da Maré, demonstraram que com essa ação se usa bilhões de reais para
acalmar os ânimos durante algum tempo, mas logo o tráfico armado volta com
força. Seria mais proveitoso utilizar esse montante para investir em
inteligência nas polícias estaduais.
Em
síntese, vivemos tempos complicados. Grande parte de nossos jovens cresce em circunstâncias
adversas, nas quais dificilmente se escapa dos caminhos da violência. Deste modo, como propõe Ariès6, entender a
morte e suas representações sociais nos ajuda a conhecer também o mundo dos
vivos, e no contexto atual a morte dos jovens é reveladora das dificuldades que
enfrentamos na construção do futuro. Pois o assassinato de crianças e
adolescentes se espraia de maneira epidêmica, uma doença social. Mas, que, no
entanto, como qualquer doença, é possível prevenir.
Fonte: Mães de Maio. Disponível em: https://www.facebook.com/M%C3%A3es-de-Maio-456038887760779/
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* Professor doutor no Departamento de Demografia (IFCH/Unicamp).
** Doutoranda em demografia e cientista social (IFCH/Unicamp).
* Professor doutor no Departamento de Demografia (IFCH/Unicamp).
** Doutoranda em demografia e cientista social (IFCH/Unicamp).
1
CERQUEIRA et al. (Orgs.). Atlas da Violência 2017. Brasília:
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); Fórum Brasileiro de Segurança
Pública (FBSP), junho de 2017. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/0BzuqMfbpwX4wOGQtTmp1SWdXWmM/view.
Acesso em 20 de fevereiro de 2018.
2
SIVIERO,
Pamila Cristina Lima; TURRA,
Cássio Maldonado; RODRIGUES,
Roberto do Nascimento. Diferenciais de mortalidade: níveis e
padrões segundo o sexo no município de São Paulo de 1920 a 2005. Revista
brasileira de estudos de população, v. 28, n.2, p. 283-301, 2011.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-30982011000200003.
3
MOTA, Vinícius. Guerra
dos meninos é anomalia brasileira. Jornal
Folha de São Paulo, 19 de fevereiro de 2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciusmota/2018/02/guerra-dos-meninos-e-anomalia-brasileira.shtml?loggedpaywall?loggedpaywall.
Acesso em 20 de fevereiro de 2018.
4 ROSSI, Clovis. EUA não são país para crianças. Jornal Folha de
São Paulo, 18 de fevereiro de 2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi/2018/02/eua-nao-sao-pais-para-criancas.shtml?loggedpaywall. Acesso em 20 de fevereiro de 2018.
5
ADORNO, Luis. Análise:
Intervenção é "show pirotécnico" sem benefícios à segurança do Rio. UOL Notícias, 16 de fevereiro de 2018.
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2018/02/16/intervencao-e-show-pirotecnico-sem-beneficios-a-seguranca-do-rio-dizem-especialistas.htm.
Acesso em 20 de fevereiro de 2018.
6
ARIES, Philippe. História da morte no ocidente: da
Idade Media aos nossos dias. Tradução de Priscila Vianna de Siqueira. Rio de
Janeiro, RJ: Francisco Alves, 1977.
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