Dez anos da explosão da Crise do Subprime: o que mudou?
Roberto
Luiz do Carmo*
Kelly
C. M. Camargo**
É importante
refletir sobre o que persiste e o que mudou na economia estadunidense dez anos depois
da Crise de 2008. Pois como no centro da economia global encontra-se os Estados Unidos - posição conquistada ao final da Segunda Guerra Mundial - a política financeira do país é de suma relevância para todas as outras nações.
Sabe-se que foi uma
combinação de diversos fatores e de agentes que resultou na chamada Crise do Subprime.
Desse modo, dentre as principais características do cenário financeiro que
levou à crise está a eliminação dos controles de capitais, a desregulamentação
do mercado financeiro e a taxas de câmbio extremamente flexíveis. Entende-se que a desregularização dos sistemas
financeiros nacionais teve início na década de 1970 nos EUA, a partir de uma
onda ideológica neoliberal, que postulava que a força dos mercados é mais
eficiente para o funcionamento do setor financeiro do que qualquer intervenção
corretiva do Estado. Esse cenário foi intensificado em 2000 quando se criou nos
EUA a lei de modernização de futuros1, que inclui a multiplicação de
dívidas por meio dos chamados derivativos, securitizações, produtos financeiros
estruturados, etc.
Neste âmbito, o documentário "Inside
Job" de 2010 [assista aqui] é capaz de nos fornecer um excelente panorama da crise, do que a antecedeu,
e de seus primeiros desdobramentos. Ressalta-se que o documentário expõe que
após a pior crise desde a de 1929, as medidas adotadas por Barack Obama, as
quais foram apresentadas para a mídia e a sociedade civil como regulatórias, em
realidade foram tímidas e pouco conseguiram recuperar o setor financeiro do
controle de Wall Street.
Portanto, oito anos depois do
documentário ser produzido e 10 anos depois da explosão da Crise, podemos
destacar que os personagens responsáveis por esse movimento que levou milhões a
perder casa e emprego2 continuam circulando livremente, e sendo
importantes peças no jogo financeiro. Não obstante, o que realmente nos choca
não são os banqueiros e financistas, mas sim os grandes acadêmicos, das
principais universidades dos Estados Unidos, que se envolveram em um escândalo
científico e ético ao apoiar as medidas desregulatórias em seus artigos, livros
e aulas ao mesmo tempo em que ganhavam enormes somas de dinheiro como
consultores do governo, e dos grandes bancos e agencias financeiras.
Em Inside Job
conhecemos os nomes dos maiores envolvidos nesse esquema. Note que ainda
hoje eles continuam em seus cargos, conquistando cada vez mais reconhecimento
no mundo acadêmico:
Martin Stuart Feldstein permanece como professor de economia na Harvard University. Ele foi arquiteto da desregulação desde o Governo de Reagan,
e de 1988 a 2009 estava no conselho da AIG e AIG PF (líderes mundiais em
seguros e serviços financeiros), o que rendeu a ele milhões de dólares.
Robert Glenn Hubbard atualmente é reitor da Columbia University Graduate School of Business, e foi
presidente do Conselho de Assessores econômicos do Bush. Foi pago em US$ em 100
mil dólares para testemunhar na defesa de dois banqueiros. Fora a fortuna que
fez com consultoria.
Laura Tyson,
professora da University of California, Berkeley,
foi presidente do Conselho de Acessores econômicos e conselheira no governo de Clinton. Juntou-se ao grupo Morgan Sanley que lhe pagou US$350 mil
ao ano.
Ruth Simmons é
atualmente Reitora da Prairie View A&M
University. Já foi da Brown University, e a primeira reitora negra da Ivy League institution.
Ganhou mais de U$$ 300 mil ao ano no conselho do Banco Goldman Sachs.
Ou seja, muitos
acadêmicos moldaram debates públicos sobre a política de governo dos Estados
Unidos desde 1970. E além deles participarem diretamente dos governos, faziam
parte de empresas de consultoria que tratavam da contratação de diversos professores
universitários para não só realizar diagnósticos e projeções para o mundo financeiro,
como para atestarem a inocência dos grandes empresários, lobistas e banqueiros
após a crise de 2008.
Essa situação deve
nos fazer refletir sobre duas questões: a.
como a direita, que tanto critica a esquerda por ser ideológica, pôde se
apropriar das instituições de maneira ideológica para favorecimento econômico. Enfatiza-se, assim, a necessidade de ambas as partes realizarem constante autocrítica sobre a funcionalidade do
conhecimento gerado no âmbito acadêmico enquanto ferramenta política. E b. qual o significado simbólico de tal esquema para o
Brasil num momento de ataque à universidade pública, sobretudo, às áreas de
humanas. De fato, acreditamos que o conhecimento científico deve servir ao conjunto mais amplo da sociedade, o que vai contra a privatização do ensino.
O que nos leva a
nossa última percepção: a candidatura de Hillary foi insistentemente
apontada por Trump como relacionada com Wall Street, devido, sobretudo, as
políticas desregulatórias colocadas em prática por seu ex-marido enquanto
presidente dos EUA. Por mais que Trump não tenha se oposto ao modelo, o
estratagema eleitoral pode ter sido um dos pontos que definiram a eleição nos
EUA, porque quem perdeu casa/carro/emprego por conta da Crise do Subprime não
esquece e não perdoa.
Em resumo, não
podemos discordar do documentário Inside Job que mostrou que os Estados Unidos
da América foi e continua sendo, essencialmente, um país governado por Wall
Street.
Envie suas
contribuições para asdimensoeshumanas@gmail.com
__________________________
* Professor Associado do Departamento de Demografia
(IFCH/Unicamp)
** Doutoranda em Demografia e Cientista Social (IFCH/Unicamp)
1 RAMOS, A. P. A crise financeira internacional do
subprime e seus impactos. In. LACERDA, A. C. (Org.). Desenvolvimento brasileiro
em debate. Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento Econômico e Política
Econômica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (DEPE/PUC-SP):
Blucher, 2017. Disponível em: http://pdf.blucher.com.br.s3-sa-east-1.amazonaws.com/openaccess/9788580392470/completo.pdf#page=8
2 MARCUSE, Peter. A Critical Approach to the Subprime
Mortgage Crisis in the United States: Rethinking the Public Sector in Housing.
City & Community, v. 8, n. 3, September, p. 351-357, 2009. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1540-6040.2009.01292_3.x
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