A ignorância custa muito caro: o caso das declarações em Barra do Piraí (RJ)


Roberto Luiz do Carmo*
 

No dia 14/setembro, uma declaração realizada pelo prefeito de Barra do Piraí chamou atenção: “Temos a creche que vai ser inaugurada em outubro(...) O que não falta em Barra do Piraí é criança. Temos que começar a castrar essas meninas. Controlar essa população. É muito filho. É no máximo 2. Fazer uma lei lá na câmara, no máximo 2 (filhos), porque haja creche para ser construída ao longo dos próximos anos. Isso tinha que ser um projeto federal, estadual, municipal porque precisa sim desse controle. E é muita responsabilidade colocar filho no mundo.” (1)

Além de ser absurdo no tratamento desrespeitoso dedicado às mulheres, indicando procedimentos utilizados em animais para controle da prole, o discurso revela um total desconhecimento do contexto atual da população brasileira. E, de maneira mais específica, da dinâmica da população do próprio município de Barra do Piraí.

A população brasileira continua crescendo em termos absolutos. Mas cresce a uma velocidade cada vez menor. No período entre os anos de 2000 e 2010 a população brasileira cresceu em média 1,4% ao ano, já no período 2010-2022 o crescimento foi de cerca de 0,5% ao ano. Ou seja, um crescimento muito baixo, que indica para as próximas décadas o início da diminuição do volume da população brasileira. Isso mesmo, a partir de 2030 a população brasileira deve começar a diminuir.

A principal causa da diminuição do crescimento da população brasileira é o fato de que as mulheres possuem cada vez menos filhos. Se na década de 1960 as mulheres brasileiras tinham mais de 6 filhos, nos anos recentes essa média passou para menos de 1,7 filhos por mulher. Ou seja, bem abaixo do número que seria necessário para que a população mantivesse o crescimento, que deveria ser uma média acima de 2,1 filhos por mulher em idade reprodutiva (entre 15-49 anos).





Mas e o caso específico de Barra do Piraí?

Segundo o Censo de 2022, a população do município está diminuindo, ao contrário do indicado pelo prefeito.

No ano 2000 a população do município era de 88.503 habitantes. No ano de 2010 esse número passou para 94.778 habitantes, o que significou um crescimento de 0,7% ao ano, um crescimento que foi a metade do crescimento populacional verificado no Brasil como um todo. Entretanto, entre 2010 e 2022 a população do município de Barra do Piraí diminuiu 1.895 pessoas, passando a 92.883 pessoas, o que significou uma taxa negativa de crescimento no período, da ordem de 0,2% ao ano.

Isso significa que o diagnóstico do agente público sobre a população que habita o seu município está errado: a população do município não aumentou na década mais recente, ao contrário, a população municipal diminuiu.

Mas o que aconteceu então? O que explica a percepção de que a construção de creches ainda vai ter que continuar?

Observando agora as crianças, constatamos com os dados do Censo Escolar que número de crianças matriculadas na educação fundamental caiu de 12.532 crianças em 2010 para 9.884 em 2022. Ou seja, uma diminuição de 2.648 crianças matriculadas no período.

Entretanto, constata-se que houve um aumento do número de crianças matriculadas em creches, passando de 1.183 para 1.420 crianças entre 0 e 3 anos matriculadas entre 2010 e 2022. Esse é o número de crianças atendidas por esse serviço escolar essencial para que os pais possam trabalhar com tranquilidade, deixando os filhos em um local seguro e adequado ao seu desenvolvimento social. 

Mas, a informação fundamental, e é aí que está o “pulo do gato”, diz respeito à demanda total pelo serviço escolar. Ou seja, qual é o número total de crianças entre 0 e 3 anos que deveriam ter acesso às creches. Esse número em 2010 era de 4.608 crianças. Ou seja, apenas 25% da demanda potencial das crianças era atendida pelas vagas disponíveis no município naquele ano.



Não temos ainda os dados do Censo de 2022 referentes à distribuição da população por idade. O que podemos fazer para ter uma estimativa é utilizar os dados do Sistema Nacional de Nascidos Vivos (2), que sistematiza o número de nascimentos registrados em todos os municípios do país, a partir dos registros de nascimento. Os dados estão disponíveis até o ano de 2021, mas observando a sequência dos dados ao longo da década de 2010, podemos estimar que o número de crianças de 0 a 3 anos estaria próximo de 4.100 crianças, uma redução de cerca de 500 crianças em relação a 2010. Nesse contexto, as 1.420 crianças atendidas significariam cerca de 35% do atendimento da demanda. Em outras palavras, houve uma diminuição significativa no crescimento do número de crianças, e mesmo nesse contexto o poder público foi incapaz de atender sequer 50% da demanda por creches no município.

O que esses números mostram é que mesmo com a redução significativa da fecundidade os serviços públicos de educação estão com dificuldade de atender à demanda por creche, que nunca foi atendida de maneira satisfatória ao longo da história, configurando uma dívida da sociedade em relação a esse grupo etário. A construção de creches vai ter que continuar até que todas as crianças que demandam tenham acesso ao serviço.

Em outras palavras, a população está sim diminuindo o número de filhos, em todas as classes sociais. Não se justifica o preconceito de que os mais pobres continuam tendo um número exagerado de filhos. Entretanto, o poder público municipal, no caso da educação infantil, não atende às demandas por educação, que são direito constitucional da população.

O problema é exatamente o oposto do indicado pelo prefeito: a falta de atendimento da demanda por serviços essenciais, como creche para as crianças, faz com não haja suporte do poder público para que as mulheres tenham filhos de maneira responsável. Com isso, a tendência de diminuição do número médio de filhos por mulher faz com que a população do país avance no sentido da diminuição ao longo dos próximos anos.

Parafraseando Leonel Brizola, o que é caro não é a educação, o que é caro é a ignorância. Gestores que realizam diagnósticos equivocados da dinâmica populacional podem concretizar políticas que ao invés de enfrentar os problemas concretos, tende a aumentá-los. À população fica a advertência para que elejam governantes minimamente preparados. 2024 está chegando...


*Professor Associado do Departamento de Demografia (IFCH/Unicamp).

(1) https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/09/16/prefeito-de-cidade-no-rj-defende-castrar-mulheres-e-muito-filho-cara.htm

(2) https://datasus.saude.gov.br/nascidos-vivos-desde-1994

 


Comentários

  1. Excelente análise, Roberto! A ignorância desses gestores sai muito caro para o país.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas