País com população mais jovem terá menos casos de COVID-19?


Roberto Luiz do Carmo[i] 

No contexto da expansão da pandemia de COVID-19, e com o aumento do número de óbitos nos últimos dias, tem emergido na discussão brasileira a existência de possíveis diferenças entre o Brasil e os outros países onde a epidemia tem avançado de maneira mais significativa. Para tanto, utiliza-se indiscriminadamente alguns argumentos de cunho demográfico, sobretudo, para justificar medidas de relaxamento da quarentena no Brasil.
A seguir, tendo como base os dados oficiais mais recentes, obtidos através das Nações Unidas[ii], apresento e discuto um desses argumentos demográficos: de que a população da Itália tem idade média elevada - em que idade média elevada é um indicador para população mais envelhecida - o que justificaria o grande número de casos fatais no país. E que, como o Brasil tem uma idade média mais baixa, isto é, a população é mais jovem do que a da Itália, consequentemente, nosso país não seria tão afetado.
Como mostra o Gráfico 1, de fato, a população italiana tem uma idade média avançada, de 47,3 anos. Entretanto, o Japão tem uma média de idade um pouco maior do que a Itália, de 48,4 anos -, sendo esta a população de maior idade média no mundo. É possível ainda observar que outros países europeus como Portugal, Alemanha e Espanha também possuem populações com idade média elevada. E China e Estados Unidos possuem populações com idade média praticamente igual, em torno de 38 anos. Por último, nota-se que a idade média da população brasileira é relativamente mais baixa dentro desse conjunto de países utilizados como exemplos.

Gráfico 1. Idade média da população, países escolhidos, 2020

 Fonte: United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2019). World Population Prospects 2019, Online Edition. Rev. 1.

A informação sobre a idade média da população possui uma forte correlação com a percentagem da população com mais de 60 anos de idade -, de modo que quanto maior a idade média, maior é a porcentagem de população com mais de 60 anos. A única exceção é a China, onde o peso relativo da população idosa ainda é relativamente pequeno, considerando a idade média da população.
Quando a informação sobre a idade é colocada ao lado das informações relativas ao COVID-19 na Tabela 1, constatamos que existe uma variação muito grande, não permitindo uma associação direta entre a idade média da população e o número de caso da doença ou o total de mortes. Nesse sentido, o Japão embora tenha a maior idade média, tem um número de casos e um número de mortes muito baixo.
A Tabela 1 mostra também que a Espanha tem uma população com média de idade menor do que a Itália, mas tem o número de casos por milhão de habitantes que é o maior dentro desse conjunto de países, o que significa que o impacto relativo do COVID-19 no conjunto da população do país é relativamente maior do que nos outros exemplos.
O Brasil, por sua vez, possui a população com a menor média de idade, mas tem um total de casos por milhão que é maior do que o do Japão, que tem a população com maior média de idade. A quantidade de mortes por milhão de habitantes também é menor no Japão do que no Brasil. Destaca-se também que o número de testes aplicados na população para verificar a infecção pro COVID-19 é muito baixa no Japão e no Brasil, sendo que no Japão os testes por milhão de habitantes ainda representam o dobro do verificado no Brasil.
Além disso, cabe apontar que a quantidade muito baixa de testes aplicados no Brasil pode implicar em uma expressiva subenumeração de casos positivos de COVID-19.

Tabela 1. Idade Média da população, população com 60 anos e mais de países selecionados e informações sobre COVID19
Fonte: United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2019). World Population Prospects 2019, Online Edition. Rev. 1.;  Worldometer (https://www.worldometers.info/coronavirus/?)

Em síntese: não é possível se estabelecer uma relação direta entre idade média de uma população e a mortalidade por COVID-19. Destaca-se também que a pandemia está em curso, tendo atingido os diversos países em momentos diferentes no tempo. Como não há elementos para sustentar que a epidemia vai atingir a população brasileira de maneira diferente do que tem ocorrido em outros países, é fundamental que sejam tomadas medidas que dificultem a expansão rápida da doença.
Por fim, fica evidente a necessidade de realizar um número maior de testes na população. Uma eventual especificidade da população brasileira em relação ao restante da população mundial só poderia ser considerada como plausível se houvesse uma testagem que efetivamente indicasse essa possibilidade. Sem os testes, não há como ter certeza.




[i] Professor no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e pesquisador no Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó" (NEPO), ambos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
[ii] United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2019). World Population Prospects 2019, Online Edition. Rev. 1.

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